quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Dezembro é um bom mês pra presentear

    As avós são raramente lembradas nas obras de ficção. Não é o que ocorre no romance Julho é um bom mês pra morrer de Roberto Menezes, publicado pela editora Patuá. A avó é presença constante na memória da protagonista: “No meu aniversário de oito anos, voínha me deu um dicionário. ‘Pra você entender que às vezes o que você sente tem palavra para isso’, imagino ter sido a dedicatória que ela nunca escreveu”.
    Voínha, vetor de reflexões, expõe também suas ideias com exemplos de física: “Os deuses foram criados amiúde. Quando falo Deus, leia destino, acaso, em minúscula mesmo. Um acaso sem arbítrio. Um deus e suas regras primitivas, inflexíveis. Desde o começo dos tempos, se uma pedra é solta no ar, esse deus é forçado a derrubar essa pedra. Não é de sua escolha fazer a pedra flutuar. Pedras só flutuam em sonhos e fábulas para crianças. Deus é um escravo que, pelas eras, foi o obrigado a manter as forças da natureza intactas. Doa a quem doer. A água que embeleza a cachoeira é a mesma que afoga. Deus é um dado viciado”. Esse Deus, “vício das coisas”, é uma espécie de criador incompetente, sem liberdade, já que cria regras que nem ele mesmo é capaz de domar.  Apenas o sonho e a fábula são capazes, de alguma maneira, de romper com a natureza das coisas. “Milagre é a poesia do acaso. É quando você dá de cara na esquina com o ladrão, só que o inverso disso”.  
     O vocabulário é fácil e cotidiano: “Voínha cagava pra estrada. Era daquelas que fecham os olhos no começo da viagem e só abrem no ponto final”. [...]“Copa no Japão. Felipão, Cafu, Rivaldo. Gol. Gol. É penta nessa porra, é penta! [...] Torci a Copa toda. Vai, Rivaldo! Arrebenta, seleção. Gritei com Cafu quando Ronaldo arrombou o rabo dos alemães”. [...]“Marcello Novaes e Carolina Dieckmann se beijavam na praia. A espuma nas ondas. A pele dourada. A claridade do sol. Eu, Laura menina branca cor de vela, nunca esperei ser personagem de uma cena dessa. Novela das sete de merda, de beijos forjados [...] Vi um vídeo no youtube um dia desses, veio numa corrente genérica de email”.
       “Uma escritora um dia já disse que a gente nasce e morre só. Essa é a lei. Vale pra uma bactéria. Vale pra uma baleia. Vale até pra uma enorme estrela.” Vozes femininas narram a história. A mulher que preza a liberdade e que tem um “vibrador do Paraguai”. Amor entre neta e avó, amores entre mulheres, amores em geral. A mulher é também o grande tema, talvez o propósito fundamental, dessa narrativa ambientada predominantemente na Paraíba. A Universidade Federal da Paraíba, onde o autor é professor, aparece citada diversas vezes. “Nas tardes da UFPB, eu esperava o próximo salvador de boa lábia, qualquer um pra me tirar do estado de espera. E eu sabia que isso uma hora ia acontecer”.
          O título do romance, porém, já indica ao leitor o tema que perpassa por toda a narrativa: a morte. As referências ao Antigo Testamento são constantes. Abraão e, sobretudo, Moisés e a passagem do povo pelo Mar Vermelho trazem também carga simbólica à obra. “Era só baixar os braços e imergir. Imergir e endurecer os membros, eu submersa não ia durar tanto. [...] um mar se abrindo para mim, eu perdendo o fôlego, afundando [...] virei o seu espelho”. Nascer é a primeira forma de morte.
 
por Flavio Quintale

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